sábado, 19 de fevereiro de 2011

Lugar de mulher é no SAMBA

Delicadeza, suavidade, amor e vontade, muita vontade. Essas são marcas (evidentes) da presença feminina no samba. Se há sessenta anos Mário Lago e Ataulfo Alves entoavam que “Amélia não tinha a menor vaidade” e que, também por isso, era mulher de verdade, hoje, certamente, cantariam diferente. As Amélias, conformadas com as dificuldades e desmazelos da vida, e que serviam de inspiração para as rodas de samba essencialmente masculinas, não existem mais, e já há algum tempo.

Não se trata de feminismo, não. Não foi necessário queimar sutiã algum para a conquista de espaço. Dona Ivone Lara já havia legitimado (e sacramentado), ainda em 1965, que samba é coisa de mulher sim, ao emplacar Os cinco bailes na história do Rio, na Marquês de Sapucaí. E nomes como Clara Nunes, Dona Zica, Alcione e Marisa Monte confirmam o talento feminino no alcance dos tons e emoções do samba, seja ele de que tipo for.

Capa do CD Morro de Samba (Foto: divulgação)
Um tanto distante da carnavalesca avenida carioca, é verdade, mas ainda assim adepto dos festejos de Momo, o samba pernambucano passou um tempo acamado, moribundo. Mas tal qual uma mitológica fênix, ressurgiu, com novo sopro, nos últimos anos, e com vozes femininas cheias de saúde. Sucesso em seu primeiro CD, Morro de Samba, lançado em outubro do ano passado, Karynna Spinelli é filha dessa nova safra, com muito prazer. “Esse é o verdadeiro momento do samba em Pernambuco. Por isso, a gente precisa fazer a coisa certa”, diz ela, que coordena, junto com sua equipe (Maurício Spinelli, Daniela Silva e seus músicos), o Clube do Samba de Recife, no Morro da Conceição, inaugurado em 2009.

Mãe de Kaíque e Klara Lua, que fazem participação no disco, Karynna se divide entre a música, a família e sua carreira como gerente de um banco. Começou sua trajetória no grupo Na Calçada e, sem falsa modéstia, como caberia à Amélia de antigamente, admite, com orgulho: “hoje, eu me considero, e as pessoas me consideram, uma referência no samba”. Ela utiliza peles e sementes em seu som, fazendo um resgate dos índios, além de trazer pontos de candomblé para essa mistura.

Uma de suas maiores referências (digna de reverência para a nova geração de sambistas) é Dona Selma do Samba, que tem mais de 600 canções escritas, 35 delas gravadas por outros artistas, e pelo menos 45 anos de carreira. A compositora é autora de duas das treze canções do Morro de Samba, A preta e a clara e D’Oxum, e acompanha de perto o novo tempo do ritmo em Pernambuco. “A gente é parceira de vida e de música. Ela é como uma mãe para mim”, emociona-se Karynna.

Selma do Samba e Karynna Spinelli (Foto: divulgação)
Nascida no Rio de Janeiro e radicada no Recife há 14 anos, Dona Selma resume: “o samba está nas minhas veias. Faço três, quatro músicas por dia. Sou compulsiva. Consegui uma coisa que eu acho muito difícil: ser compositora. A mulher está conquistando seu espaço”. Apaixonada pelo ritmo desde menina, compôs a primeira música ainda na adolescência, em homenagem a Noel Rosa. Mas foi através de uma reportagem publicada no Jornal do Commercio que resolveu frequentar a Mesa de Samba Autoral, onde se permitiu dar os primeiros passos como cantora. Hoje, ela adota a política do “onde me chamam para cantar, eu vou”.

É nesse tom, de samba e esperança, que essas e outras tantas mulheres fazem música em Pernambuco, música de qualidade, e clamam pela continuidade do samba no Estado, especialmente através do Clube do Samba. “Estamos aqui para unir valores, não disputar”, lembra Karynna. Dona Selma completa: “cada um tem seu espacinho. A música é terapia”.

Pensando bem, ainda restou algo da Amélia: perseverança. Como diz Destino Traçado, escrita por Selma, “levo a vida num sorriso, para não passar para você a dor que trago comigo”. A luta e o samba têm que continuar.

SHOW – Karynna se apresenta hoje, logo mais às 17h, no Festival do Coco Verde, na Praia de Boa Viagem, em frente ao Hotel Jangadeiro. O show é gratuito. É só chegar, cair no samba e curtir o pôr-do-sol! 



Lorena Tabosa

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